quarta-feira, 5 de novembro de 2008

"A retórica do transeunte da cena" é o meu êxito. Que se foda!




Às vezes, depois de tantos anos vivendo na cena musical no Brasil, tenho vontade de dizer que é tudo uma grande perda de tempo. Tem gente muito talentosa desperdiçada em meio a tanta futilidade. Gente que surgiu de lugar nenhum, e toma a arte como um meio de iluminação interior, e há quem não vai a lugar nenhum e pousa sob holofotes por achar ser a única maneira de ser visto. Gente que mal fala e escreve o português, sua língua de origem, e se aventura em se aproximar daqueles que vem d’outro lado do oceano com a excelência de um ilustre representante tupiniquim. Pior é a injusta batalha de quem estuda, gradua e gradua, se dedica, e tem que se submeter àqueles que mal sabem diferenciar letras, pontos e vírgulas. Produtores de meia tigela que não respeitam músicos que são graciosos ao manusear seus instrumentos tão bem polidos e afinados. Não sabem o valor de um contrato, o que dirá de manter sua palavra.
Entendo que em qualquer profissão já encaramos mal informados com postura de gigantes intelectuais, entendedores do assunto. No Jornalismo, ainda existem os “intelectualóides”. Na música, nem isso. Canso de ver meninos que nem chegaram aos 18 e se intitulam músico por tocarem alguns dó ré mi, batucarem melodias fáceis ou, embolam em 4 cordas, e levantam a cabeça pra falarem com veemência “sou macaco velho, sei tudo da cena”. Quando ouço isso, sinto vergonha. Sim, eu tenho ainda vergonha alheia. Eu me orgulho de gente nova que realmente se dedica, faz bonito e ainda assim sabe reconhecer o seu lugar.
Eu trabalhava em um escritório na mesma casa da sala do Ulisses, que é luthier há 20 anos, roadie do Ultraje e do CPM22, e realmente um virtuose na guitarra. Sei por ouvi-lo testando as guitarras que concerta enquanto fotografava alguém, ou trabalhava no computador. E ele sempre entrava na minha sala quando estava de bobeira e perguntava com o que eu estava trabalhando no momento. E entre as conversas, contava algumas dessas coisas que ouvi. Ele ria irônico, e dizia que trabalhar com moleque é foda, ainda mais com moleque que pensa que é músico, e ouvia as experiências dele. E ele ouvia as minhas, contava muita coisa interessante que estava fazendo, e ouvia dele onde eu acertava e errava. Ele respeita muito meu trabalho, viu muitas vezes a minha correria, viu o quanto eu suava pra fazer direito as coisas pra gente que não dava muita importância pra um trabalho rebuscado e detalhado. E ficava revoltado, falava pra eu mandar pra pqp. Ter o respeito de gente assim, me faz entender que estou no caminho certo.
Trabalhando com algumas bandas, mais que acostumada com aquele conflito de egos, alguns com pose de pomba pra mostrar pra única mulher que está no meio que é “o cara”, mas agem com arrogância quando ouvem de uma mulher algo que discordem. Isso sempre acontece, desde o começo.
E mesmo no meio de um turbilhão de trabalho e correria, ainda quero sempre estar no meio desse trabalho de louco até hoje.
Quando chego nas minhas aulas de canto, o Lyba pergunta se eu tenho ido ao otorrino, por não entender o porquê de eu estar ainda rouca, mesmo não fumando, não bebendo, nem água gelada, ser sempre cuidadosa. “Estresse, vai tudo pra garganta”. Quando conto como está o trabalho, ele diz que isso é pra eu lembrar de diferenciar músico de artista. Quem é músico, se mete a tocar e tocar cada vez melhor, e quem é artista, quer estar em evidência em qualquer lugar, mesmo fora dos palcos. E concluímos como isso acontece em todos os cargos que envolvem a arte. Os jornalistas, fotógrafos, toda mídia. Porque na verdade muitos jornalistas que escrevem sobre música são músicos frustrados, outros querem “gozar com o pau dos outros”, e outra parte gosta mesmo do que está fazendo, e entende pra valer do que escreve. O triste é que há muitos ainda que nem escrever sabem, e desrespeitam pessoas talentosas que chegaram onde estão com menos esforço, sem esquentar a cabeça, com educação, sem indicação.
Nessa correria conheci há poucos meses um jornalista bem mais novo do que eu, mas que eu tenho tomado como exemplo. Ele tem 23 anos, já ganhou prêmios, é cordial e educado sempre, e escreve extremamente bem. Até mesmo em espanhol. O Gallo é um rapaz que merece destaque, e todo o meu respeito e homenagem por todas as coisas incríveis que foi capaz de me dizer sobre se erguer diante da vida de jornalista.
Na minha primeira semana de paz depois de fechar o estúdio, me afastar de todos os meus trabalhos e pessoas, ficando reclusa dias em casa sozinha refletindo e escrevendo, breve férias na verdade, comecei a colocar em prática muitas dessas coisas que ouvi. E claro, minha voz ficou limpa do dia pra noite.
Voltei a seguir noite à dentro escrevendo, produzindo. Tratei todas as fotos pendentes, reli e refiz projetos antigos. E entrei em contato com todos os trabalhos interessantes que eu fazia e abandonei pra realizar o sonho de ser dona do meu trabalho. Hoje entendo como é difícil pra alguns chefes que eu tive tocar um veículo, um escritório, uma empresa. Mas entendo que eles existem pra eu ter liberdade de trabalhar pra eles quando quiser ou for necessário, e que não devem descontar nada em quem está ali pra apoiar. Não quero mais estar presa aqui, ou em qualquer lugar. Ainda adoro fazer as malas, e desafios, não sei viver de modo diferente. Tentei, juro que tentei. Mas como diz a Cica, “me dê quente ou frio, morno eu vomito” hahahaha. Antes tinha medo de tentar, hoje não tenho medo de nada nem ninguém.
“Tenho medo é da ignorância”. Tenho tanto zelo e medo de parecer ser ignorante, que não entendo quem não se preocupa em mostrar que sabe o que está fazendo.
Prefiro ficar uma noite inteira numa festa ouvindo Yuri bebendo e falando de Kafka, eu pago pra ouvir o Mister Lúdico falando de Krishna por horas numa festa da MTV. Até Humberto Finatti falando de seu trabalho numa balada eu encaro , afinal um jornalista brasileiro de verdade tem que sentir o glamour clichê do que lhe é boêmio ao menos uma vez na vida. Isso tudo é ótimo!
Mas tenho vontade de bater em alguém quando encaro gente que não respeita toda a trajetória de quem sabe o que faz, e ainda quer ser pedante comigo. Comigo não! Nem a minha mãe. E pra quem sabe o que ela representa e quem é no mundo acadêmico, entende bem do que estou falando. É, também sei ser pedante se preciso for. Ainda prefiro ser educada e tirar por menos, mas apesar de ter muita intensidade em me preservar a tudo, alguns dizem que sou brava mesmo. Sou, pra me distanciar de gente que só tende a invadir o meu espaço.
Se estou revoltada com alguma coisa? Ainda deixei dúvidas sobre isso? Porque eu procuro base em tudo o que vou fazer, fundamento, e quem não sabe o que fala, não entenderia isso. Falo do meu mundo profissional, cheio de transeuntes que vão passar e não vão se firmar, porque quem não tem competência, não adianta, não se estabelece.
Quando eu me graduei em 2003, estava já de saco cheio de escrever e falar de música (já tinha 5 anos de rádio), então como boa nerd que sou, resolvi escrever sobre Jornalismo e Literatura. Eu enfrentei uma fila de manhã cedo no setor de Estudos Literários da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) pra poder conseguir uma vaga como aluna especial no Mestrado de Estudos Literários, já que eu estava no 7º período da graduação ainda. Consegui e estudei um período inteiro a disciplina Teoria da Literatura I. Pra poder saber o que falar quando fizesse minha monografia. Não queria eternizar um texto falando bobagens. A gente faz isso muitas vezes nos trabalhos eventuais de sala de aula, mas quando é pra falar sobre algo, sempre me exigiram saber falar.
Então eu só abro a boca ou só me proponho a fazer algo que tenho segurança. E hoje eu nem tenho receio de dizer que sei fazer bem. Mas reconheço minhas limitações, e por isso estou em constante estudo. Só ainda estou aprendendo a fotografar. Ainda tenho vergonha de assinar a palavra “fotografia” na frente do meu nome. Mas estou começando a tentar, acho que já posso. Não é ironia, não uso ironias quando falo sério.
Só ainda tentei fugir da maldita música. Maldita sejam as orquestras, as bandas, as duplas, a batidas nas caixinhas de fósforo. Todos que ali estão, estão no mesmo espírito. Uma vez entendendo isso de verdade, você se vê como a própria música.
Acredito que desde os tocadores de arpa no Japão até quem toca dijiridu na Austrália já deve ter pensado assim. Mas desisti de fugir disso, sempre que tento, faço tudo mal feito.
Resumindo, é um caminho sem volta. Entra no sangue, faz falta. É como um namorado que a gente briga, e mesmo assim vai lá e casa com o sujeito. É uma “cena” ingrata, muitas vezes injusta, mas o amor é cego, a gente faz as pazes e comemora como o final feliz de um enlatado americano, com “The Impression that I get” dos Mighty Mighty Bosstones de fundo.

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